A Mahasiddha Laksminkara - A Princesa Louca do Sri Lanka

Texto de Lama Gangchen Rinpoche, extraído do livro “Fazendo as Pazes com o Meio Ambiente”, de sua autoria. (Edição: Centro de Dharma da Paz)

Tive muitas encarnações antes desta, e em algumas delas, com um corpo feminino. Uma de minhas encarnações femininas foi uma meditadora chamada Laksminkara. Lakisminkara viveu há mais de mil e quinhentos anos, quando a tradição tântrica Mahayana-Vajrayana estava florescendo na Índia. Ela era irmã de Indrabhuti, o governador de Oddyana, território que hoje é ocupado pelo Paquistão e Afeganistão. O povo do reino de Oddyana era constituído de budistas devotos, sendo este reino famoso pelo elevado nível das práticas tântricas ali realizadas. Este reino era conhecido como “A Terra das Dakinis”, e era a terra de Guru Rinpoche (Padmasambava), o grande meditador que levou o Budismo para o Tibete.

O rei Indra e sua corte se interessavam muito pelos ensinamentos Mahayana e Vajrayana, tendo convidado meditadores famosos para instruir o rei, suas consortes e parentes. O rei Indrabhuti e Laksminkara receberam ensinamentos do Mahasiddha indiano Kambhala, um príncipe que atingira os siddhis de Chakrasamvara. Ele também transformara milhares de bruxas em protetoras do Dharma.

Tendo-o como instrutor, Lakisminkara tornou-se uma praticantes muito séria desde a mais tenra idade. Quando estava com sete anos, seu irmão prometeu-a em casamento ao filho de Jalendra, o rei do Sri Lanka, e ao chegar aos dezesseis anos, ela foi encaminhada a este país para casar-se. Lakisminkara não gostara muito da idéia de se tornar a rainha do Sri Lanka, pois preferia meditar, e seu desejo mais sincero era sair do samsara e ajudar os outros a fazer o mesmo.

Quando chegou na capital so Sri Lanka, ela se sentiu muito infeliz, isolada e deprimida por ter que viver em uma sociedade não budista. Como se tratava de um dia pouco auspicioso do ponto de vista astrológico, não lhe permitirão entrar imediatamente no palácio, e ela foi instalada com seus atendentes em um hotel nas proximidades. Enquanto esperavam no hotel, tiveram a oportunidade de ver o príncipe que seria o marido de Lakisminkara voltando de uma caçada, carregado de animais mortos. Ela, que nunca comera carne, sentiu-se enojada ao ver esta cena, e decidiu que não podia casar-se com ele. Para fugir deste destino, decidiu fingir-se de louca. Fingiu desmaiar, e ao acordar começou a falar e a comportar-se como se fosse louca. Deu aos pobres da cidade todos os seus presentes de dote, tirou a roupa, cortou o cabelo, lambuzou o corpo com sujeiras e saiu cantando e dançando.

O rei do Sri Lanka mandou médicos e psiquiatras para vê-la, mas como nenhum tratamento funcionava, eles a diagnosticaram como doente mental e, portanto, incapaz de ocupar o lugar de rainha. Em vez de se tornar a futura rainha, ela se tornou um problema para o rei, que ficou muito aliviado quando ela fugiu da capital para morar num cemitério nos arredores.

A família real se sentiu muito culpada ao vê-la morando em um cemitério, pois os cemitérios eram considerados lugares horríveis, cheios de animais selvagens e esqueletos. Também acreditava-se que lá havia muitos fantasmas e demônios, e por isso, ninguém ia aos cemitérios. A família real então decidiu mandar dois atendentes para levar-lhe comida e o que mais ela precisasse. Para Lakisminkara, o cemitério era o lugar ideal para morar, pois lá podia fazer suas meditações me paz. A única pessoa que lhe fazia companhia ocasionalmente era o encarregado da limpeza enviado pelo rei. Ela viveu assim durante sete anos, até que atingiu a realização da Vajravahari, a consorte de Chakrasamvara.

Um dia, o rei Jalendra e sua conte foram caçar perto do cemitério onde Lakisminkara morava. O rei, por curiosidade, decidiu fazer-lhe uma visita. Quando se aproximaram da caverna onde ela morava, viram luzes brilhantes que saiam de lá, e quando olharam para dentro da caverna, viram milhares de Dakas e Dakinis festejando. O rei ficou tão impressionado que se prostrou para Lakisminkara e pediu que ela fosse seu Guru. Ela lhe pediu desculpas e disse que não podia ser seu Guru, pois era louca, mas que o encarregado da limpeza, que se tornara seu discípulo e já atingira o siddhi de Heruka, podia ser o Guru do rei.

E a princesa cantou esses versos:

O samsara tem a natureza do sofrimento
Não nele estado algum de felicidade ou alegria
Mas apenas o nascer, envelhecer, adoecer e morrer
Dos quais nem os deuses escapam
Os três reinos inferiores são terríveis demais
Neles só há fome e os tormentos do calor e do frio
Ó, rei, qual é a solução?
Buscar a bem-aventurança da libertação

O rei Jalendra voltou ao seu palácio, e em segredo, pediu ensinamentos ao encarregado da limpeza, tendo ele também, mais tarde, atingido muitas realizações. Ele escreveu ao rei Indrabhuti sobre as realizações de sua irmã Lakisminkara. Ao ler a carta, Indrabhuti sentiu-se muito envergonhado, pois sua irmã chegara à libertação antes que ele. Ele então passou todas as suas responsabilidades a seus ministros e, em segredo, fez um retiro de doze anos durante o qual atingiu ele também o siddhi de Heruka. Enquanto isso, Lakisminkara e seu consorte, o encarregado da limpeza, estavam muito ocupados no Sri Lanka fazendo curas, dando ensinamentos e realizando milagres até que um dia, sem que morressem, seus corpos se desmaterializaram e eles transferiram suas energias para o mundo absoluto dos Dakas e Dakinis.

Esta foi uma de minhas vidas passadas como mulher. Lembro-me de detalhes desta vida em meus sonhos e meditações, tendo portanto, certeza de que esta foi uma de minhas encarnações.

Eu gostaria de passar a mensagem das qualidades de cura da energia feminina para nossa sociedade e meio ambiente com todas as pessoas, independentemente dos diferentes pontos de vista religiosos. Por exemplo, no congresso inter-religioso em Massa Carrara, Itália, organizado anualmente pela Irmandade Francisacana e o grupo “Povo da Paz”, falei sobre o tema “Mulheres, as Construtoras da Paz”. Espero poder passar esta mensagem a todos. Se reconhecermos coletivamente a energia e as qualidades sagradas das mulheres, poderemos curar a psique doente da sociedade contemporânea, diminuindo assim nossas ações destrutivas em relação à nossa mãe, o planeta Terra.

Lama Gangchen Tulku Rinpoche

Fonte: Centro de Dharma da Paz Shi De Choe Tsog

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