Os Seis Yogas de Naropa

O adepto Nâropa merece a nossa atenção especial, porque seu nome é associado à doutrina dos "Seis Yogas de Naro"(naro chodrug).*
Essas práticas estão expostas no texto tibetano "A Epítome das Seis Doutrinas", que foi traduzido em 1935 por Kazi Dawa-Samdup e apresentado e prefaciado por W.Y.Evans-Wentz.

São as seguintes:

1 - O Yoga do Calor Psicofísico (tumo): esta prática combina técnicas de visualização e respiração. Utilizando o excedente de bioenergia produzido pela abstinência sexual rigorosa, os yogins visualizam, entre outras coisas, metade da letra a do alfabeto tibetano, fazendo-a então brilhar até que o corpo inteiro, e depois o cosmos, sejam preenchidos pela luz e pelo calor. Por fim, controlam a chama, reduzindo-a aos poucos até transformar num ponto minúsculo e depois desfazer-se no vazio. Esta prática gera uma quantidade considerável de calor psicofísico, permitindo que os yogins meditem nus por longos períodos nas temperaturas baixíssimas do Himalaia, Várias expedições fizeram filmes que documentam esse feito extraordinário. A prática pressupõe um conhecimento profundo dos "ventos" (tibetano: lung; sânscrito: nâdî), bem como dos centros psicoenergéticos (tibetano: tsakhor, sânscrito: cakra).

2 - O Yoga do Corpo Ilusório (gyulu): meditando sobre a imagem do seu corpo no espelho, que é plana mas dá a ilusão de ser tridimensional, os yogins passam a perceber que a imagem, na verdade, surge entre eles e o espelho. Por fim, contemplam o caráter ilusório ou vazio do próprio corpo.
O resultado final da prática é a identificação do praticante com o "corpo de diamante" (tibetano: dorje'i ku; sânscrito: vajra-kâya) da Realidade absoluta.

3 - O Yoga do Estado de Sonho (milam): a fim de descobrir o caráter ilusório dos estados de vigília e de sonho, os yogins adquirem o poder de penetrar à vontade no estado onírico sem perder a continuidade da consciência. Controlam cuidadosamente o que lhes acontece nos sonhos. Em anos recentes, pesquisas a respeito do que se chama de "sonho lúcido" mostraram que é possível entrar conscientemente no estado de sonho e até controlar os eventos oníricos.

4 - O Yoga da Clara Luz (odsal): esta prática antecipa uma experiência na qual a pessoa morta vê por um instante o esplendor de luz branca que é uma forma da própria Realidade transcendente. No Yoga da Clara Luz, os adeptos entram em níveis de consciência onde a visão desse esplendor é possível e assim preparam-se para o encontro de depois da morte, evitando o perigo muito comum de sentir medo da luz e fugir dela em vez de reconhecê-la como expressão da sua natureza mais íntima.

5 - O Yoga do Estado Intermediário (bardo): esta prática se liga de perto ao Yoga da Clara Luz. Também nela os adeptos acostumam-se com os fenômenos de depois da morte enquanto ainda vivos e, em decorrência desse "ensaio", tornam-se capazes de não se deixar enganar pelas aparências alucinatórias que podem assaltá-los no bardo, isto é, no estado de pós-morte. Além disso, a proficiência nesta Yoga dá aos yogins o poder de decidir do próprio estado depois da morte, tendo inclusive a opção de renascer em forma humana num tempo e lugar determinados.
Em geral distinguem-se seis bardos: (a) o estado normal de vigília, que está entre o nascimento e a morte; (b) o estado de sonho, que está entre o sono profundo e a vigília; (c) o estado de inconsciência, chamado "estado de realidade" (choyid bardo) porque nele a mente é lançada de volta à sua verdadeira natureza; (d) o estado de vir-a-ser (ridpa bardo), durante o qual o indivíduo, depois de morrer, vê e ouve todo o tipo de imagens fantasmagóricas, muitas vezes terríveis, mas que não passam de projeções da mente; (e) o estado de meditação (samtan bardo), uma condição de equilíbrio interior acompanhada pelo recolhimento dos sentidos, que deixam de perceber o mundo externo; e (f) o estado de nascimento (kyena bardo), que é o período que vai da fertilização do óvulo ao nascimento (ou melhor, renascimento). Esses bardos são todos determinados pelas tendências kármicas da pessoa. No entanto, o primeiro, o segundo e o quarto bardos são especialmente propícios à prática a ao progresso espiritual.

6 - O Yoga da Transferência de Consciência (phowa): através de visualizações complexas associadas ao controle da respiração os yogins conduzem a bioenergia até o topo da cabeça. Esta técnica altamente secreta produz até mudanças anatômicas. É como observou John Blofeld:
Este yoga é praticado durante certo tempo por quase todos os iniciados. Na hora da morte, cada qual segundo a sua habilidade, eles serão capazes de transferir-se para mundos de luz radiante, para a existência sutil ou pelo menos para uma encarnação relativamente desejável. Isso porque, se conseguirem dominar completamente este yoga, terão a capacidade de fazer a consciência sair do corpo por um orifício que se abre no topo da cabeça, na sutura sagital onde se unem os ossos parietais; ou, se forem menos hábeis, por diversas outras partes do corpo, as piores das quais são a boca, o pênis e o ânus. Os exercícios são feitos todos os dias até que o pleno êxito seja assinalado pela promanação de linfa ou sangue do ponto já mencionado no topo da cabeça.
Um sem-número de testemunhas fidedignas, tanto na China quanto na fronteira indo-tibetana, já asseveraram que isso de fato acontece e que um pequeno buraco se abre espontaneamente nesse ponto.*

As técnicas como os Seis Yogas de Nâropa fazem parte do que se chama de Caminho da Forma (dsin-lam). Existe também um Caminho Sem-Forma, que consiste na percepção constante e contínua de que os objetos manifestos na verdade não são outra coisa senão a prórpia Realidade transcendente. Essa disciplina semelhante ao Zen se chama gya-chenpo (sânscrito: mahâ-mudrâ, "grande selo"). A atitude de contemplar a identidade absoluta do mundo fenomênico com a Realidade transcendente torna o homem interiormente imune a todos os temores e dúvidas. Firma o praticante no seu ser verdadeiro, que é a pura felicidade.

Georg Feuerstein em "A Tradição do Yoga" - Editora Pensamento.

(*Quanto ao brilhante comentário de Tsongkhapa sobre os seis métodos de Yoga de Nâropa, cf. a tradução de G.H.Mullin, Tsongkhapa's Six Yogas of Naropa (Ithaca, N.Y.:Snow Lion Publications, 1996); cf. também G.H.Mullin, Readings on the Six Yogas os Naropa (Ithaca, N.Y.:Snow Lion Publications, 1997), que traz as traduções para o inglês de pequenos textos tibetanos sobre os seis Yogas de Nâropa, entre os quais os "Versículos Vajra da Tradição Secreta", do próprio Nâropa. Na verdade, esse texto menciona dez métodos, e não seis.

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